segunda-feira, 6 de julho de 2009

A Igreja e o Direito

Entrevista com Marcos Biasioli
Publicado em 28.07.2008

Marcos Biasioli é advogado, graduado em Administração de Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduado em Direito Empresarial pela The European University, com mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É assessor jurídico de diversas entidades filantrópicas, editor da Revista Filantropia e também o palestrante do curso O Direito e a Igreja: a Legislação Aplicada às Organizações Religiosas promovido pela Diálogo Social. Nesta entrevista exploramos alguns aspectos do Direito Comercial que dizem respeito a algumas áreas que fazem parte da rotina de uma igreja como o gerenciamento da sua marca, a separação patrimonial dos bens, a assistência social, a recepção dos dízimos e a formalização de outras doações.

Qual o entendimento do direito a respeito da marca de uma igreja? Seria semelhante a uma empresa com fins lucrativos?

Marcos - A lei da propriedade intelectual protege tanto as pessoas físicas, quanto as jurídicas, sejam estas constituídas em qualquer das formas estabelecidas pelo Código Civil - Sociedade, Associação Civil com ou sem fins lucrativos, Organização Religiosa. Nesse sentido, são duas as categorias de proteção: direito autoral (obras literárias e artísticas, programas de computador, domínios na Internet e cultura imaterial) e propriedade industrial (as patentes, marcas, desenho industrial, indicações geográficas e proteção de cultivares). No caso específico das Igrejas, considerando as atribuições e características que as especificam, é de suma importância não apenas zelar pela marca (representação simbólica), mas também os direitos autorais sobre suas obras e demais ordenamentos. O Instituto Nacional da Propriedade Industrial é quem outorga essa concessão.

Quais seriam os cuidados que as igrejas deveriam ter para zelar sobre a sua marca?

Marcos - Como explanado na pergunta anterior, o advento da propriedade intelectual protege os conteúdos ou produtos de utilização indevida de terceiros, sem autorização expressa de seu autor. Portanto, é necessário que as Igrejas procurem preservar esses direitos através de registro da marca, obras, etc junto ao INPI. Somente assim é que a Igreja poderá utilizar meios judiciais para impedir o respectivo uso indevido.

Você defende a separação patrimonial da Igreja para atividades diferentes como educacionais e até assistencial. Como seria isso?
Marcos - Com o advento da Lei n.º 10.825/2003, que instituiu a figura das organizações religiosas, restou evidente que o próprio ordenamento jurídico criou figura de enquadramento para as Igrejas. Nesse sentido, considera-se que os bens da Igreja, bens do povo de Deus, devem ser protegidos para a sua finalidade precípua, que é a propagação da fé e não serem alvos de fiscalizações, restrições de bens, etc. Por supedâneo, a própria Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso VI, declama que o Poder Público não pode interferir na criação e liberdade da atividade religiosa, mas, por outro lado, também não poderá beneficiá-la em detrimento de outras. Na questão tributária há nuances diferenciadas para as associações civis, que podem se beneficiar com as isenções das contribuições sociais, mediante a conquista do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, certificado este que não poderá ser outorgado a uma Organização Religiosas (Vide Resolução nº 191/2005, do Conselho Nacional de assistência Social).

O que há de concreto na legislação a esse respeito?

Marcos - Como dito acima, o Código Civil em vigor, ao recepcionar a figura de Organização Religiosa, delineou um campo que até então era bastante confuso. Há vários aspectos a considerar, desde questões filosóficas à formalidades legais. Neste sentido, cito a título de exemplo, a seguinte premissa: as atividades assistenciais e educacionais demandam, para sua plena efetivação (inclusive para fins de celebrar parcerias com o Estado), de alguns reconhecimentos públicos que atestam a sua utilidade e idoneidade no enfrentamento de diversas mazelas sociais, de acordo com os requisitos exigidos por lei, não abarcando as Organizações Religiosas. De igual sorte, para fins de capitação de recurso junto ao empresariado o quadro se amplia, visto que, para que os doadores recebam incentivos fiscais, as entidades precisam estar revestidas de alguns requisitos, entre eles, alguns reconhecimentos de ordem pública. Assim sendo, embora não haja nenhum óbice quanto ao desenvolvimento de trabalhos sociais pelas Igrejas, fica evidente que para peregrinar de forma sólida na prática da assistência social é preciso observar o que a legislação nos traz a respeito.

E a respeito da formalização da recepção dos dízimos? De que forma deve ser feito?

Marcos - Os dízimos são doações voluntárias e devem ser recepcionados como tal. É imprescindível que qualquer Igreja, por mais simples ou pequena que seja, procedam a contabilidade de acordo com as Normas Brasileiras de Contabilidade, espelhando de forma idônea a sua administração perante terceiros. Nesse sentido, cumpre ter livro de entrada, saída e demais demonstrativos contábeis, assim como uma empresa qualquer.

Que cuidados as igrejas devem ter para evitar reclamações futuras de membros por desvio de finalidade? O fato de a pessoa ser ou não um membro oficial da igreja faria diferença?

Marcos - Os membros ou não membros cujo regime de contratação seja o formal (CLT), devem ser mantidos prioritariamente em suas funções. Outros cuidados devem ser observados para não suscitar demandas trabalhistas, ou seja, não basta seguir a risca a CLT e não ter em mãos as convenções coletivas de cada categoria (que podem variar de acordo com as funções desempenhadas ou da característica da Entidade). Na ocorrência de um membro ou não optar, voluntariamente, por desempenhar funções suplementares, cabe a Igreja registrar essa intenção através de um termo de voluntário, de acordo com a Lei 9.608/98. Além do dízimo, as igrejas recebem muitas doações de objetos e roupas.
De que forma isso deve ser feito para estar de acordo com a legislação?
Marcos - As doações devem ser recepcionadas como "doação in natura". Para tanto, cumpre ao donatário emitir respectivo recibo, com as formalidades de estilo, bem como mensurando o valor do objeto doado, deduzindo-se os valores gastos para a sua reutilização, no caso dos mesmos estarem em más condições ou valor simbólico se os mesmos se tratarem de sucata. O importante é que isso seja uma pratica contábil constante.

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