sexta-feira, 30 de março de 2012

Caminhadas de Emaús

Cada caminho tem sua história. Emaús era uma cidade que ficava cerca de onze quilômetros de Jerusalém. O texto de Lucas é belíssimo. Dois discípulos, sentimentos em conflito. Dúvidas, inseguranças, saudade, apreensão. Vejo-me naqueles discípulos.

Às vezes tenho a sensação de caminhar para longe da promessa. Mas, como eles, prossigo no caminhar. A destreza de Lucas segue desenhando os detalhes: "Iam eles falando entre si de tudo o que havia sucedido". A cada passo, a insistente reconstrução da lembrança do Amado.

De repente, ele se apresenta. "Jesus aproximou-se e ia com eles", a delicadeza do Verbo é pura poesia. O Mestre começa sua aula magna. Interroga, comenta, expõe as Escrituras. Fala de si mesmo com tamanha humildade que passa despercebido pelos olhos. Mas não pelo coração. Sem alarde, o coração denuncia a santidade que caminha ao lado.

Encanta-me a doce insistência divina em revelar-se para a nossa vagarosa inteligência. O testemunho das mulheres, a comprovação ocular dos outros discípulos que foram ao túmulo, a chama ardendo no peito, tudo isso, mas uma espécie de casca impermeável parece obstruir a claridade da revelação. Ainda bem que ele é luz! Compreendo aqueles dois porque sou exatamente assim. Lento, sou um peregrino a buscar, vasculhar, ler, pesquisar alucinadamente. O peito arde, mas os olhos protestam.

Lucas nos brinda dizendo que "quando se aproximaram da aldeia para onde iam, fez ele como que ia para longe". O autor da peça sobe ao palco. Um jogo delicioso de espera. Um pedido silencioso pela permanência. O texto afirma que "eles o constrangeram dizendo: fica conosco, pois é tarde, e o dia já declina". Conjugação perfeita: o crepúsculo de um dia oferecendo-se como "desculpa" ao que é a "resplandecente estrela da manhã". O fim de um dia, anunciando o instante eterno. Anoitecer com ele. Ainda fazemos isso?

Ele cede. Entra na humildade da casa. Fim da caminhada? Não! Ao abençoar o pão, partir e dar, os olhos se abrem, a revelação se descortina. Ápice. Êxtase. O sumiço repentino interrompe o abraço inevitável. O texto prossegue: "Na mesma hora, levantando-se, voltaram para Jerusalém". Evangelho! Boas Novas! Já não era noite em seus corações. O que são onze quilômetros quando as certezas renascem? Ainda caminho assim quando ele me abraça. Não importa a distância. Mesmo que essa distância não seja entre lugares, mas entre corações.

Caminhadas de Emaús. Elas acontecem nesses encontros surpreendentes com uma gente de Deus que ainda aquece meu coração. Um amigo aqui, uma dessas "irmãs" velhinhas que a igreja guarda como tesouros do anonimato. Nosso caminho ainda é como o de Emaús: sobre um chão de promessas. Nossas noites ainda guardam surpresas. Nosso companheiro de caminhada ainda é a pura Palavra. Nossos corações, silenciosos, ainda denunciam o Deus que caminha.


Fonte: Alan Brizotti em seu blog
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