domingo, 11 de novembro de 2012

Católicos buscam anulação religiosa de casamentos

Depois de aceito o pedido de nulidade, Andreo (E) trocou alianças com Lucilene, a nova companheira

Os casamentos católicos são considerados indissolúveis até a morte de um dos cônjuges, mas a Igreja deixou aberta uma porta que mais de 400 casais atravessaram nos últimos seis anos no Rio Grande do Sul: decretar que, apesar da cerimônia no altar, da bênção do padre, do testemunho dos padrinhos e do "sim" dos noivos, o matrimônio nunca existiu.

Para essa regressão do histórico nupcial à estaca zero, a condição básica é convencer os juízes do Tribunal Eclesiástico de que a boda não ocorreu de fato, porque não foi abençoada por Deus. Já há 59 nulidades homologadas no Estado em 2012.

A busca por esse tipo reconhecimento pode causar estranheza numa época em que o casamento religioso perde fôlego — o Censo revela que no Rio Grande do Sul já há mais gente em união consensual ou civil do que aqueles que subiram ao altar. No entanto, para quem é católico praticante e acredita na doutrina da Igreja, perseguir a nulidade faz todo o sentido.

O empresário de Cachoeirinha Andreo Pereira da Costa, 29 anos, diz que trocou alianças aos 19 anos motivado pela festa e para contrariar a mãe. Divorciou-se em 2006 e ficou com a guarda do filho, Bruno. Em 2009, foi confessar-se e descobriu que estava impedido de fazê-lo — porque tinha uma nova companheira, Lucilene, apesar de ser casado com outra aos olhos da Igreja.

Costa apresentou o pedido de nulidade em 2010. Foram oito meses até o reconhecimento em primeira instância e mais quatro para a decisão de segunda instância. A ex, que estava em um novo relacionamento e tinha outro filho, colaborou e prestou depoimento perante o Tribunal Eclesiástico.

— Aleguei falta de liberdade na decisão de casar. Foi um casamento para agradar uma pessoa, sem discernimento. Conseguir a nulidade foi muito importante, porque eu estava indo contra o que minha religião pregava. Minha vida melhorou muito, por uma questão espiritual. Foi uma libertação do pecado — conta Costa.

Uma motivação para o empresário era o desejo de um novo matrimônio na Igreja, possível apenas se o primeiro fosse considerado inexistente. Costa e Lucilene casaram-se em julho do ano passado, quatro meses depois de reconhecida a nulidade pelo Tribunal Eclesiástico.

— Dessa vez foi uma decisão consciente — afirma o empresário.

ENTREVISTA: monsenhor Inácio José Schuster, vigário judicial do Tribunal Eclesiástico da Regional Sul 3 da CNBB

Os casos de nulidade no RS passam pelo monsenhor Inácio José Schuster, vigário judicial do tribunal eclesiástico de segunda instância que tem sede em Porto Alegre. Na entrevista a seguir, ele revela que aproximadamente 80% dos pedidos são julgados favoravelmente. Confira:

ZH — O que motiva as pessoas a apresentar o pedido de nulidade?

Inácio José Schuster — Muitas vezes, a razão é fazer outro casamento na Igreja. Mas também há pessoas que estão bem sozinhas e não querem casar de novo, mas pedem a nulidade.

ZH — O que é um casamento que não aconteceu?

Schuster — É um casamento em que os noivos não queriam casar e casaram por pressão ou conveniência social, por exemplo. Ou quando se esconde uma anomalia física, no sentido de ter filhos, ou uma anomalia psíquica.

ZH — Em que casos o pedido de nulidade é negado?

Schuster — Às vezes não há o que fazer, porque é preciso que a incapacidade ou desequilíbrio já existam antes do casamento, mesmo que sejam desconhecidos.

ZH — A ausência de relações sexuais justifica a nulidade?

Schuster — Também é um fator, porque o casamento deve ser consumado para ter valor, mesmo que tenham ocorrido várias relações sexuais antes de casar.

Algumas justificativas que podem ser apresentadas para configurar a nulidade do matrimônio religioso:

Erro de qualidades da pessoa: quando o cônjuge apresenta, depois do matrimônio, personalidade diferente

Incapacidade psíquica: quando o cônjuge tem histórico de características que, na visão da Igreja, o impedem de assumir as obrigações essenciais do matrimônio (ninfomania ou sadismo, por exemplo)

Exclusão de fidelidade: casos comprovados em que um dos cônjuges foi infiel. Só é aceito quando a traição ocorreu antes do matrimônio

Medo grave: quando o casamento ocorreu sob pressão psicológica e familiar.

Simulação: quando o cônjuge não assume o matrimônio e não acredita em sua indissolubilidade.

Dolo: quando alguma informação importante ou relevante sobre a vida da pessoa foi omitida ou contada de forma inverídica. São exemplos o cônjuge que escondeu já ter filhos ou a mulher que afirmava ser virgem, mas não era

Filhos: quando um dos cônjuges não quer filhos

Uso da razão: quando um dos cônjuges não tinha, no momento da celebração, uso da razão.

Impotência: pessoas incapazes de ter uma relação sexual completa

Crime: quem, para poder casar com uma pessoa já casada, mata o cônjuge dela ou mata seu próprio cônjuge para ficar viúvo.



Fonte: Zero Hora
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