terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Musical ‘Jesus Cristo Superstar’ já provoca reações

Com tema polêmico ligado à Bíblia, Jorge Takla volta a incitar o público

Quando estreou na Broadway, em 1971, o musical Jesus Cristo Superstar balançou a crítica, surpreendida pelo seu formato de ópera-rock. Também movimentou certos grupos religiosos católicos, inconformados com o que consideravam uma blasfêmia: apresentar um Jesus Cristo muito afeiçoado a Maria Madalena e um Judas simpático demais. Os anos se passaram e o cenário não parece ter mudado – com previsão de estreia para o dia 14 de março, no Teatro do Complexo Ohtake Cultural, a versão de Jesus Cristo Superstar dirigida por Jorge Takla ainda continua incomodando.

"Recebi uma mensagem no Facebook que me deixou chocada", conta a cantora Negra Li, que vai interpretar Madalena. "Um rapaz escreveu que eu iria para o inferno, pois não estava sabendo o que fazer com a minha carreira e que, terminada a temporada, eu seria abandonada por todos." Evangélica, ela considerou ingênuo o comentário. "O musical conta uma história fiel à Bíblia. Não há nada de blasfemo ou agressivo."

Também o ator Igor Rickli, intérprete de Jesus, recebeu manifestações diversas. "Foram diferentes sensações", disse. "Tudo porque o musical trata de fé, o que é delicado. Mas, em cena, contamos uma versão da história de um homem que foi líder político e religioso, sem tomar nenhum partido."

Tamanho barulho já era esperado por Jorge Takla, desde o início da preparação do espetáculo. "A polêmica é essencialmente devida ao fato de a obra colocar Jesus em cena de maneira extremamente humana, um homem com seus conflitos, suas dúvidas e seus medos", justifica. "Talvez isso incomode as pessoas menos esclarecidas, que acham que Jesus, sendo o Filho de Deus, não possa ter sentimentos, ou ser um homem de sua geração, igual aos outros." E completa: "Muito humano também é o personagem de Judas. A obra é essencialmente o seu ponto de vista, o ponto de vista da dúvida e da culpa".

De fato, a arte se sobrepõe a particularidades religiosas e políticas. Foi o que observou a reportagem do Estado, que acompanhou um ensaio geral na semana passada. Ainda que desprovido de figurinos (criados por Mira Haar, que une graciosamente túnicas da época com detalhes modernos, como roupa militar), iluminação e cenário, o elenco apresentou sugestões de como serão a interpretação e a apresentação vocal.

Criado por Tim Rice (letras) e Andrew Lloyd Webber (melodia), o musical surgiu inicialmente como um disco e, quando chegou ao palco, tornou-se clássico por utilizar o rock como linguagem, estabelecendo de vez o gênero rock musical (que vinha sendo rascunhado no teatro desde os anos 60 e teve sua explosão em Hair, de 1968) e associando o rock’n’roll à rebeldia libertária que Jesus representa para seus discípulos. 

"É essa proximidade com os homens que o torna mais fascinante", comenta Igor Rickli, cujas feições se assemelham à tradicional imagem do Filho de Deus. "No musical, Jesus revela-se um guerreiro, mas luta em busca do amor, daí sua relação afetuosa com Judas e Maria Madalena."

Idêntico pensamento apresenta Alírio Netto, que vive Judas. "É uma relação de amizade que se deteriora pelo fato de Judas não se conformar com a aceitação de Jesus, aclamado rei dos judeus", conta ele que, curiosamente, há 12 anos, viveu o papel de Jesus em uma versão mexicana do musical. Hoje, ao assistir à brasileira, viveria outra realidade. "Ao acompanhar Igor vivendo Cristo, sinto que agora eu faria o papel de outra forma, talvez mais carinhosa." Em seguida, Alírio completa: "Na verdade, descobri que Judas é verdadeiramente o meu papel, por conta de suas fortes emoções".

Também adaptada como Maria Madalena, Negra Li lembra de suas dificuldades. Primeiro, mudar o estilo vocal. "Fiz aulas para ficar mais à vontade no registro do belt, o utilizado em musicais", conta ela, que percebe um toque mais brasileiro na atual montagem por conta da visceralidade com que o elenco se entregou à produção. "Logo me contagiei, pois a adesão é muito grande, permitindo que todos, em algum momento, se destaquem."

Coube a Takla abrigar um elenco tão distinto e torná-lo coeso. Segundo ele, além do desafio vocal (por ser rock, os agudos, muitas vezes, são constantes e, não raro, longos), sua intenção foi valorizar também a dramaturgia. "É um espetáculo muito teatral, daí a necessidade de um trabalho apurado com a atuação", observa o diretor que, depois de semanas de ensaios, percebeu os primeiros frutos ao notar que a equipe técnica se emocionava com a interpretação. "Notei o progresso ao descobrir lágrimas no rosto das pessoas", conta.

Takla, aliás, foi uma escolha natural para comandar a produção. "Estamos com os direitos de Jesus Cristo Superstar desde 2011, mas não conseguíamos encaixá-lo em nosso planejamento", conta Stephanie Mayorkis, diretora de teatro da Time For Fun, que produz os principais espetáculos da Broadway no Brasil. "E, quando decidimos montá-lo, convidamos Jorge, pois também ele assistiu à montagem do musical realizada em Nova York no ano passado e percebeu que o texto ainda continua moderno."

Assim, para criar um espetáculo também original, Takla convidou uma fiel escudeira, a maestrina Vânia Pajares, para a direção musical, e um "novato", Anselmo Zolla, para compor a coreografia – experiente no balé clássico, ele se inicia agora em um grande musical e a mistura no estilo foi produtiva: em sua coreografia, movimentos são pequenos e carregados de significado, ressaltando a teatralidade pedida por Takla.

Coreografia, teatralidade e notas agudas são principais desafios

Pioneiro entre as óperas-rock, Jesus Cristo Superstar exige do elenco o uso de todas suas qualidades. "Vocalmente, por ter o rock como ritmo básico, o artista precisa chegar a notas muito altas, agudos que nem todos conseguem", observa a maestrina Vânia Pajares. "Já a coreografia, especialmente criada para essa versão, é contemporânea e busca trazer os movimentos do cotidiano", observa o coreógrafo Anselmo Zolla, que cuidou de todos os novos movimentos.

"Finalmente, o musical acompanha os últimos seis dias de Jesus, portanto, é necessária muita habilidade na interpretação enquanto são apresentadas canções", completa o diretor Jorge Takla. O trio trabalhou uniformemente, a fim de que o conjunto mostrasse equilíbrio entre cantar, dançar e interpretar.

Vânia conta que as tessituras musicais desse espetáculo não são comuns no gênero. "A tradução da letra (feita por Bianca Tadini e Luciano Andrey) ajudou, pois colocou as sílabas certas para os agudos", conta ela. Já a sofisticada coreografia de Zolla exige uma técnica apurada, para reproduzir os pequenos gestos do cotidiano.

Como se trata de um espetáculo com alta carga de emoção, Takla preferiu deixar que o elenco inicialmente exagerasse nas emoções para então começar o trabalho de lapidação. "São momentos muito fortes, emocionantes, então começamos com interpretações muito viscerais", lembra. "Depois, com cada cena já depurada, todos perceberam até que ponto poderiam chegar sem passar do limite."

Com isso, é possível notar que não apenas o trio de protagonistas sobressai, mas também o restante dos atores. Beto Sargentelli, por exemplo, que já participou de Mamma Mia! e A Família Addams e agora se divide em diversos papéis – ao viver o apóstolo Simão, ele oferece um momento notável e de rara sensibilidade.




Fonte: Estadão
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